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Investidores de todo o país acompanham com crescente atenção a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição n.º 66/2023, que promete redefinir as regras do jogo no pagamento de precatórios – dívidas judiciais reconhecidas contra o poder público. Aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados e em primeiro turno no Senado, a PEC aguarda nova votação Senado, prevista para agosto, e já mobiliza debates relevantes entre governantes, credores e analistas. As mudanças propostas podem impactar diretamente o mercado de compra e venda de precatórios, sobretudo no segmento conhecido como special situations, em que investidores especializados adquirem ativos com alto deságio e elevado potencial de retorno futuro.
Entre os pontos centrais da proposta está a exclusão temporária dos precatórios e das requisições de pequeno valor do cálculo do limite fiscal no ano de 2026, com reinclusão gradual de 10% ao ano do estoque de precatórios a partir de 2027. Também se propõe a fixação de um teto de pagamento, limitado a um percentual entre 1% e 5% da receita corrente líquida dos entes públicos, variando conforme o volume de dívidas acumuladas. Municípios e Estados que tenham precatórios equivalentes a mais de 2,5% da receita líquida, por exemplo, poderão pagar até o limite máximo de 5% ao ano. A proposta ainda autoriza o parcelamento de débitos previdenciários em até 300 meses, ou 25 anos, com juros limitados a 4% ao ano. Outro ponto relevante é a padronização da correção monetária dos precatórios, que passaria a ser feita pelo IPCA acrescido de 2% ao ano, respeitado o teto da Selic, sendo vedada a incidência de juros compensatórios.
O texto também prevê mecanismos de punição aos gestores públicos que descumprirem as regras, como responsabilização por improbidade administrativa, sequestro de verbas e bloqueio de transferências. Além disso, autoriza acordos diretos com os credores, permitindo que os entes públicos paguem os precatórios com deságio em parcela única, desde que dentro do exercício seguinte à homologação do acordo.
A consequência prática dessas mudanças é a alteração do perfil de risco e da expectativa de liquidez desses títulos judiciais. Ao impor limites e alongar os prazos para quitação, a PEC impacta diretamente o valor de mercado dos precatórios, tornando-os menos atrativos para quem busca liquidez imediata. Com maior incerteza sobre os prazos de pagamento e um retorno financeiro mais modesto, muitos credores passam a considerar a venda de seus créditos no mercado com deságio. Estima-se que, diante desse novo cenário, precatórios que antes eram negociados com 30% de desconto possam vir a ser vendidos com até 70% de abatimento, conforme o perfil do devedor e a expectativa de cumprimento do novo regime fiscal.
Ao mesmo tempo, esse ambiente pode se mostrar fértil para investidores especializados em ativos judiciais de risco. O segmento de special situations, que já vinha crescendo nos últimos anos, tende a ganhar força à medida que mais precatórios ingressam no mercado secundário, com deságio elevado e um novo padrão de correção e parcelamento. Para esses investidores, a possibilidade de adquirir créditos depreciados e, posteriormente, negociar acordos vantajosos com o ente devedor pode representar uma oportunidade de ganho relevante, especialmente se houver capacidade de análise jurídica, precificação e negociação estruturada.
O próprio texto da PEC, ao permitir acordos diretos com deságio, institucionaliza uma prática de negociação que pode beneficiar tanto os entes públicos quanto os investidores que operam nesse nicho. Contudo, essa lógica exige atenção: o ambiente é complexo, o risco regulatório é real — principalmente diante da possibilidade de judicialização da emenda — e os retornos não são garantidos. Trata-se de um mercado técnico, que exige experiência e leitura apurada da conjuntura fiscal e institucional.
Em síntese, a PEC 66/2023 traz alívio fiscal relevante aos entes públicos, especialmente aos municípios com grandes passivos judiciais, mas transfere aos credores o ônus do tempo e da incerteza. Para investidores qualificados e dispostos a operar com risco, o cenário pode ser oportuno. Para aqueles que detêm precatórios ou têm interesse nesse tipo de ativo, o momento é de análise estratégica: compreender os novos parâmetros, revisar o perfil de seus créditos e considerar, com critério, as alternativas de venda, negociação ou manutenção em carteira.